Não, o senhor não entendeu! Meu senhor, eu não estou reclamando. Não é isso. Eu sei que como contribuinte, cidadãopacado e de bem eu não tenho esse direito. Estou apenas lhe contando o que me aconteceu ontem à noite, durante aquela chuvarada.
O senhor pensa que eu fui deitar e dormir ouvindo o barulho da chuva? Que nada! Fiquei na janela de casa admirando a chuva cair. Que coisa linda! Se o senhor nunca admirou a chuva, faça isso, é muito bom. Foi maravilhoso ver aquela torrente de água inundar toda a rua e o canal em frente a minha casa. Foi mais divertido ainda perceber a água subindo cada vez mais até começar a inundar a sala. Que sensação maravilhosa ver a água límpida e de odor agradabilíssimolentamente entrar pela casa dentro e pouco a pouco molhar o assoalho e os móveis!Ah! É uma sensação indescritível!
Foi divertidíssimo ver meus filhos e minha esposa carregando livros e estantes, sofás e brinquedos. Confesso que fiquei um pouco apreensivo, afinal meus filhos não sabem nadar. Mas foi apenas um pensamento rápido, logo voltei a pensar que mesmo correndo alguns riscos, a coisa era divertida. Talvez outras pessoas (meus vizinhos, quem sabe?), que passaram pela mesma situação, possam confirmar o que estou dizendo. É muito, muito divertido.
Omomento mais excitantefoi quando um ratinho que nasceu e vive na vala em frente à minha casa – uma vala muito simpática e muito estimada por todos os moradores – invadiu minha sala. Foi uma algazarra geral. Todo mundo correu e subiu nos sofás e mesas. Todos davam gritos de alegria, o senhor precisava ver! Meu filho mais velho chegou a pegar a vassoura, tentando acertar o pobre animal, mas eu não deixei. Lembrei a ele que o bichinho estava em apuros, pois, certamente, seu lar fora invadido por aquele aguaceiro. Além disso, não quero problemas com a sociedade protetora de ratinhos indefesos e nem quero meu nome envolvido num processo na justiça por maus tratos a animais. O bichinho se escondeu atrás dos móveis, mas conseguimos encontrá-lo. Segurei-o pelo seu lindo rabinhoe devolvi-o à vala onde nasceu e vive junto com seus milhares de amigos. Não! Jamais iria permitir que alguém maltratasse um bichinho com olhinhos tão brilhantes. O senhor já olhou no olho de um ratinho? Se ainda não o fez, faça-o. Duvido que o senhor tenha coragem de maltratar um bichinho assim.
Mesmo protegendo esse pobre animal, ainda assim(e já de madrugada), não dormi com a consciência tranquila porque não consegui salvar um grupo de formiguinhas que estava se afogando e foi arrastado pela enxurrada. Meus filhos, o senhor pensa, mesmo com riscos e com água pelas canelas tentaram, mas não lograram êxito no intento de salvar tão pequeninos seres.
Ao invés de reclamar, eu quero mesmo é agradecer a todos aqueles que contribuíram para que eu tivesse uma noite de sexta-feira maravilhosa, após uma longa semana de trabalho. Esse episódio serviu para unir ainda mais minha família (mulher e três filhos). Não, como já lhe disse, eu não estou reclamando, mas gostaria de humildemente suplicar que o senhor mandasse fazer uma limpeza no canal em frente a minha casa. Para o senhor é fácil, é só ordenar. Por favor, não é por mim nem pela minha família, nem pelos meus móveis danificados, mas pelos pobres animais indefesos que ali moram. São ratos, cobras, lesmas, sapos, aranhas eformiguinhas que merecem uma vala limpa e um espaço decente para habitar. É claro que alguns urubus que frequentam o local devem protestar, mas o senhor, melhor do que eu, sabe quenão dá para agradar a todos. De minha parte, muito obrigado pela noite de ontem.
(Crônica escrita em 12.02.2011 para o programa Coração Inquieto, do Colégio Santo Agostinho, na Rádio Santana AM 870 Krz)
O assalto
-- Perdeu! perdeu!
Eram seis horas da tarde. Os alunos acabavam de sair da escola quando um deles teve seu boné arrancado da cabeça com violência por um assaltante que repetia:
-- Perdeu! Perdeu!
O que o delinquente não contava eracom a reação do estudante. Em segundos, os dois – assaltante e assaltado – entraram em luta corporal.
O coordenador da escola,pensando se tratar de briga entre alunos, correu na intenção de separar os brigões e puni-los exemplarmente pela atitude violenta. O sermão que daria já estava na ponta da língua. Onde já se viu? Brigar no meio da rua, dando mau exemplo! Para que eles estavam estudando? Hein? Para resolver suas diferenças daquele jeito? Soubessem eles que não era aquilo que a escola ensinava! Quantas vezes, ele, coordenador, fora nas salas ensinando que os problemas de relacionamente entre colegas deveria ser resovido pelo diálogo, bela busca do entendimento e não com brigas e ofensas! Quantas vezes, hein?
Absorto neste pensamento, nem se deu conta que se tratava de um assalto. Quando tomou pé da situação, estacou horrorizado. Teve um sobressalto. Ficou imóvel por alguns instantes. Olhou de esguelha para o portão da escola e se imaginou transpondo-o e entrando na sua pequena sala, que agora lhe parecia o lugar mais seguro do mundo. Mas não consegiu passar para a ação. Estava paralisado pelo medo. Para sorte do pobre coordenador, um guarda municipal, à paisana, que viera buscar sua filha na escola, interviu e imobilizou o assaltante,enquando alguém chamava a polícia.
Enquanto o bandido era imobilizado, uma mulher de cabelos desgrenhados e unhas longas e pintadas de vermelho, gritava que aquele sem vergonha lhe roubara o celular havia poucos minutos. Sem que alguém pudesse impedir, ela meteu a mão no bolso da calça do meliante e tirou de lá um aparelho celular. Porém – e para surpresa de todos – outra mulher, com uma enorme verruga bem na ponta do narize que também assistia a cena, gritou que aquele celular era dela. Que ela sim, é que fora assaltada há pouco. Começou então uma violenta discussão entre as duaspela posse daquele importante meio de comunicação e terminou com elas engalfinhadas e rolandopela calçada. A da verruga de bruxas de história infantil, muito mais encorpada, bateu com sustança. Mas a outra, embora mirrada, também tirava sua lasquinha de vez em quando, puxando o cabelo da potranca pelancuda. A polícia chegou e levou todos (assaltante e as brigonas) para a delegacia. Só então o coordenador percebeu que, na confusão, havia perdido a lente dos seus óculos.
Na delegacia, a confusão continuou. As duas mulheresnão paravam de discutir. Uma delas, a de unhas pintadas de vermelho, ainda tinha chumaços de cabelos da verruguenta entre os dedos das mãos manicuradas. Se não fosse a intervenção de um policial,tinham se agarrado ali mesmo, na frente do delegado, que gritava pedindo silêncio.
-- Você! – disse o delegado apontando para o assaltante – diga de quem é este celular!
O bandido hesitou um instante:
-- Seu delegado, posso ser um bandido, mas não sou mentiroso. O celular não é de nenhuma dessas duas, tá ligado!